O Código Marçal: Entrando na Mente do Pablo
Você se odeia a ponto de ver três horas de Pablo Marçal no Flow? É por isso que estou aqui para te explicar alguns dos DRIVES MENTAIS que movem o coach para frente, frente, sempre para frente, eternamente para frente...
Lembra quando o Tiririca disse que “pior que tá não fica?“. Pois é… Isso foi em 2010 (que saudades). Depois vieram as jornadas de junho de 2013, inflamando o sentimento anti-sistêmico que levou ao impeachment da Dilma em 2016. Veio o Bolsonaro em 2018… Veio a pandemia em 2020… E só em 2022 o Brasil conseguiu, por muito pouco, dar um freio nessa queda livre que começou quando um literal palhaço sem nenhuma experiência política foi o deputado mais votado da cidade de São Paulo. De lá para cá não aprendemos nada? Bom, se aquele palhaço nos ensinou alguma coisa foi que: pior que tá sempre pode ficar.
O “voto de protesto” no candidato circense não é novo. Sua lógica até que é simples: uma vez que as pessoas não se sintam contempladas pela linguagem política tradicional, quem superar esta “barreira linguística” das complexidades do linguajar político consegue alcançar um público maior. Tiririca provou isto em 2010 desafiando a votar nele quem quisesse que ele “descubrisse o que faz um deputado federal para em seguida contar ao eleitor”. Mas ele é só mais umem uma longa tradição de candidatos populistas e infantilizantes que é bem velha, passando por Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. E, até hoje, é o arquétipo do candidato circense que coloniza o famigerado “voto de protesto”. O “voto de protesto” é correlato àquela rebeldia sem objeto típica da adolescência: CONTRA TUDO E CONTRA TODOS!
A questão é que para se vender pelo sentimento de “protesto”, é preciso primeiro parecer diferente dos demais candidatos. Não apenas diferente, mas GRITANTEMENTE diferente (as vezes literalmente). E em um contexto de sobriedade, onde os concorrentes do palhaço da vez apresentam propostas e debates objetivos, se fazer de doido chama atenção e traz resultado. E as redes sociais amam um doidinho.
O Tiririca desse ano se chama Pablo Marçal.
Mas a palhaçada hoje é mais organizada. Para a antropóloga Letícia Cesarino, o que o Pablo faz é instrumentalizar a política eleitoral para ganho próprio. Ele faz da política um business e vende ao eleitor justamente esta fantasia de sucesso empresarial através de técnicas de marketing digital e programação neurolinguística (PNL). Ao contrário do capitão Jair – que se colocava como uma força negativa contra “tudo isso que tá aí” –, o populismo de Pablo é positivo, centrado no sonho do ganho econômico, na PROSPERIDADE individualista ao alcance de um mero desbloqueio mental, de uma mudança de mindset (mêo). Vemos aqui a colonização da política pelo messianismo coache pela economia da atenção.
A pesquisadora Isabela Kalildescreve como o eleitorado, especialmente o periférico, é fisgado pela narrativa de sucesso vendida por Marçal:
“A mensagem de Marçal, que é mais fácil de vender para a classe média e baixa, em geral, é: eu já fui pobre, eu sei o que é isso e sei o caminho para fazer você enriquecer. Se for eleito, vou te ajudar a repetir esse processo’. O eleitor compra essa ideia”.
Afinal, como bom coach que é, ele vende sonhos. E, independente dos resultados das eleições deste ano, ele já ganhou. A marca MARÇAL já está em alta, já gerou riqueza e já agregou valor. Ele é um empresário do espetáculo, da sedução algorítmica, e não deixa de agir como tal. Afinal, esta é a marca de quem fica rico vendendo curso de como ficar rico. Mas peixe morre pela boca.
Marçal foi ao programa Flow no dia 28 de agosto de 2024 e, na minha opinião, se sentiu à vontade demais. Enquanto que em outras entrevistas, com jornalistas mais sérios, e com uma dinâmica mais formal, o candidato intercala entre a defesa e o ataque num tom violento, aguerrido, lacrando e gerando cortes para suas redes, no Flow ele estava até bastante manso. É que o Flow não é como esses jornais chatos onde um candidato à maior prefeitura da maior cidade da America Latina é colocado contra a parede diante de suas propostas (ou falta de). Não. O Flow é uma conversa de Bar. E Marçal sabe disso, tanto que se sentiu em um. Era até visível sua admiração pelo entrevistador, Igor 3k, com quem conversava como se fosse um velho amigo. E, para seu velho amigo, Pablo contou muito orgulhosamente suas técnicas de pilantragemretórica e marketing digital.
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O CÓDIGO
Em todo conflito – já diria Sun Tzu (A arte da Guerra), que Marçal adora citar – é preciso conhecer o pensamento do oponente para prever seus passos e reagir de acordo. Aqui quem se abriu foi o próprio Pablo. Portanto, aproveitemos e entremos na mente do candidato mais perigoso das eleições de 2024, porque é justamente assim que ele infantiliza e desvirtua o debate; entrando na mente de seus adversários, dos eleitores e ativando os afetos mais viscerais. Ele mesmo se gaba de como levou mais de uma hora para entrar na mente do Boulos e desestabiliza-lo com a carteira de trabalho. A mesma coisa tentou fazer com a Tabata Amaral dizendo que a culpa do suicídio do pai teria sido sua por estar ausente na época. Com o eleitorado ele entra em suas mentes tocando nas maiores dores que se pode sentir em uma sociedade tardo-capitalista: o medo de sucumbir na batalha diária pela sobrevivência econômica. Para estes, ele vende a PROSPERIDADE.
Ele é perigoso porque, como coach que é, nada o impede de vender um curso de como PROSPERAR na política e gerar centenas de Pablinhos Marçaisaté 2026 – isto se a justiça eleitoral realmente não se mexer. Um cenário onde existam vários Pablos Marçais bagunçando a polis, logo depois de termos sido engolidos por uma enxurrada de bolsonarinhos na política nacional, é a receita para o fim da civilidade. Como se fará política com a quinta série tendo tomado conta do dabate? Que debate há de existir? Não sou ingênuo. Eu sei que o que a extrema-direita quer é justamente idiotizar a polis para criar um Brasil Pós-Político.
Isto tanto é verdade que o trecho mais comentado da conversa (de bar) foi:
“Eu tenho todo respeito pela imagem dos outros mas quando ela é desrespeitosa comigo ela vai ter que pedir perdão para eu parar… eu to no processo eleitoral… Não dá pra ser idiota… no processo eleitoral, me perdoe, cê tem que ser um idiota…Se eu fosse comportadinho, por exemplo, no debate da Veja, a outra pessoa que veio para cima de mim só veio com baixaria…, de último nível, eu não vou cair nesse jogo… não deu UM corte, não dá nada… é como se você perdesse seu tempo ali naquele lugar. Então, como que eu vou gastar meu tempo se aquele tempo pode ser multiplicado? Aí que tá o grande lance, cara, infelizmente a nossa mentalidade gosta disso e por ser um povo que gosta disso, eu preciso produzir isso.”
– Pablo Marçal no Flow (51:07)
Nos dias que se seguiram, Marçal foi indagado duas vezes sobre a declaração. A primeira pelo jornalista Josias de Souza no debate da Gazeta/MyNews no domingo (01/09), que repetiu sua declaração (“a nossa mentalidade gosta disso [idiotice] e por ser um povo que gosta disso, eu preciso produzir isso”) e perguntou se o candidato concordava com ela. Marçal bugou. Ficou puto, começou a falar, falar, falar, enfim, desconversou. Não respondeu a pergunta. Da segunda vez, no Roda viva do dia 2 de setembro, foi indagado novamente pela declaração. Reagiu da mesma forma e disse que idiota era quem votava no Lula (e o PT, heim?).
Aqui já podemos entender como funciona seu modus operandi, que, verdade seja dita, não é novo, é a cartilha de Steve Bannon (de Trump) atualizada: Nunca recuar. Nas duas situações, dobrou a aposta. Ele não pode abaixar a cabeça! Alimenta sua imagem de pura positividade e, ainda de quebra, produz vários cortes para suas redes. Win-win! O cinismo é sua tática. Ele mesmo diz no momento 2:10:05 que o conteúdo “viral” é o que mas traz público às suas redes. Um corte “viral”, segundo o mesmo, é quando você “faz o cara ficar com raiva, é o que explode mais. Se não, não viraliza”.
Por isso ele xinga, faz acusações absurdas, comete crimes eleitorais em série, age como um moleque irritante de quinta série. Pois assim ele alcança seus objetivos, que é: colonizar o máximo possível de telas por um afeto negativo (raiva/repulsa) para depois espalhar sua mensagem positiva (prosperidade/potência). E se o TSE ameaçar impugnar sua candidatura ou dar qualquer reprimenda por seu comportamento abjeto, ele se vende como o PERSEGUIDO DO SISTEMA. O vitimismo faz parte do fascismo desde sempre e o Fascismo Tecno-Regressivo não é diferente.
Uso o termo “Fascismo Tecno-Regressivo” porque ele é, de fato, diferente do fascismo que tínhamos antes. O maior expoente desta modalidade não é nem Jair Bolsonaro, são Naib Bukele e Javier Milei. Enquanto Bolsonaro encarna uma nostalgia dos tiozões viúvos da ditadura (que têm saudade de trair a mulher sem ouvir que são machistas), Marçal, Trump e Milei personificam a vulgarização e a “quinta-seriezação” da política por intermédio das Big Tech’s. O Fascismo Tecno-Regressivo é aquele que usa de técnica – retórica e midiática – para regredir o debate político e estimular as reações mais viscerais, destruindo assim qualquer possibilidade de diálogo e transformando seus sujeitos em máquinas de reprodução de um gozo desregrado, no qual as redes sociais dependem para gerar seu valor: dados.
Marçal, como coach que nunca deixou de ser, propõe a superação de todas as interdições mentais e conduz seu público ao GOZO INFINITO, seja do milagre, seja do poder da vontade. Ele performa este estado mental de pura positividade e, para isto, a linguagem messiânica, evangélica, se faz presente. Ele ainda disse que tentou fazer uma cadeirante andar e disse que AINDA VAI CONSEGUIR. Ele nunca para, ele nunca está errado. Quando confrontado, ele DOBRA a aposta. Marçal orou para ressuscitar dois mortos: “Não funcionou, mas vou conseguir”.
– “Eu acredito em milagre, sabe por quê? Porque eu já cansei de ver isso”.
– Pablo Marçal no Flow (38:23)
Por isso o ego e o desejo de Pablo não têm limites. Quando se fica rico vendendo curso de “desbloqueio da mente”, dar bola para as limitações, as interdições e negatividades da própria psiquê só denotam fraqueza; abaixam seu valor de mercado. Já diriam as Bene Gesserits, de Duna: “O medo é o assassino da mente”.
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A MENTE
Qual é o trabalho de um coach? O que ele vende? Qual valor que ele gera? Ele vende a sensação de “resposta”, de iluminação, de alguém para lhe dizer o que fazer diante da desorientação. É o equivalente à comoditização de um gozo religioso, edipiano, paterno. O coach aparece na vida da pessoa e organiza seus referenciais, sua rotina, seus drives mentais, como diria Marçal. Este é o produto que um coach vende: um reordenamento mental que narrativiza as dores pessoais do sujeito. O coach vende uma ética interna, que antigamente se podia encontar nas igrejas, nas relações comunitárias, enfim.
Marçal é um marketeiro da ética ultraliberal. É um agente da psicopolítica hiper-capitalista que dá conta de preparar as mentes de seus clientes para fluir no sentido e no ritmo super acelerado da sociedade do desempenho, como descrita por Byu-Chul Han. O grande mérito de Pablo Marçal é ter traduzido tão bem os preceitos da ética protestante-ultraliberal estadunidense para a realidade do povo pobre, evangélico dos interiores do Brasil.
Marçal se baseia nos ensinamentos de três figuras: Nassim Nicholas Taleb, Garry Vee e Andrew Tate. Nassim Nicholas Taleb é um estatístico e ensaísta libanês autor do livro “Anti-Frágil”, que, em resumo, é um ensaio sobre as coisas que se fortalecem pelo caos. O anti-frágil, ao contrário do resiliente, não é aquele que se mantém firme diante da volatilidade, dos impactos, das porradas que a vida dá. O anti-frágil é aquilo que se fortalece com os danos e os impactos. Taleb usa o exemplo da hidra, a mítica serpente de várias cabeças que, quando se corta uma, duas nascem no lugar. Outro de seus mentores é Gary Vee, ícone da “hustle culture“, a cultura do máximo esforço para obtenção máxima de resultados dentro da ética de trabalho da sociedade do desempenho. Mas talvez a inspiração mais importante para Pablo seja Andrew Tate.
Tate é um ex-kickboxer estadunidense, radicado na inglaterra, que ficou muito rico nos últimos anos pelo ramo das cam girls; modelos que são pagas para conversar (e mais) com homens solitários pela internet. Andrew Tate é um cafetão digital hoje preso na Romênia por tráfico humano. Mas a admiração de Marçal por Tate não está em seus serviços de web-cafetinagem, mas nas táticas de marketing digital por ele criadas.
Andrew Tate criou uma estratégia super agressiva chamada “Marketing de Afiliado”(Affiliate Marketing), que é a produção de verdadeiras gincanas e competições como forma de promover seus infoprodutos. A estratégia central envolve incentivar com ganhos financeiros seus seguidores a compartilhar conteúdos relacionados a ele nas redes sociais, principalmente vídeos curtos, para espalhar pelo TikTok e pelos shorts do YouTube. Assim é possível, teoricamente, ficar rico compartilhando conteúdo do Pablo – e do Tate – sobre como ficar rico. Ou pelo menos, essa é a idéia que eles vendem. No entanto, para receber o pagamento, o corte precisa bater certas métricas de sucesso. Quem não bate as métricas, trabalhou de graça. Assim Marçal, como um ótimo capitalista, aproveita do trabalho gratuito de milhares de jovens que sonham em subir no elevador social para alavancar a se próprio se apoiando neles. Os que não conseguiram os ganhos esperados, que não se preocupem pois ainda podem comprar um ou dois de seus cursos para DESBLOQUEAR A MENTE e alcançar os RESULTADOS esperados.
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Agora some-se a mentalidade do Anti-frágil com o ritmo da hustle culture e a estratégia de marketing afiliado de Tate. O resultado é Pablo Marçal. Ou seja, tem-se um sujeito que entende que todo ataque contra si apenas o fortalece (Anti-frágil); que sabe se colocar no ritmo acelerado da economia da atenção e da cultura do desempenho (Hustle Culture); que ainda aprendeu a mais nova técnica de marketing da extrema-direita norte americana (marketing de afiliado do Andrew Tate) e, portanto, que não sabe parar nem recuar. Uma vez dominado o marketing digital brasileiro, o próximo passo na escalada de sucesso para Marçal é, logicamente, a política.
Marçal instalou em si um drive mental que só o permite ir para frente, só o permite crescer. É este, afinal, o produto de seu trabalho. É isto que ele vende. Recuar só enfraquece a imagem de seu produto, seu ganha-pão: ele mesmo. Os drives mentais da negatividade só fazem parte de sua cognição quando relacionados à positividade que se deseja produzir. Por isso ele explana suas técnicas retóricas: porque precisa do reconhecimento desta única forma de existir que existe em sua cabeça para ser legitimado e continuar seguindo este caminho.
Acompanhemos o seguinte trecho de sua conversa com Igor 3K no Flow:
1:19:02 – MARÇAL: Eu quero me transformar num político pra não ter que voltar pra mais nada. Eu já construí riqueza, não to a fim de mexer com isso. Eu já tenho programado. Eu não vou nas empresas, pra você ter uma noção, há muito tempo. Eu tenho os CEOs nas empresas, tem presidente no grupo. Eu sou CVO, já ouviu falar?
IGOR 3K: – Não.
MARÇAL: – CVO é um cargo, é Chief Visionary Officer, é o cara que tem um cargo de ser só a visão da empresa.
1:19:07 – IGOR 3k: Tu que inventou esse cargo? (risos)
Os dois riem. Pablo dá uma gargalhada sincera. Marçal entende que Igor está sugerindo que ele está de balela, que está de bullshit. O termo, na verdade, é sim um Bullshit do mundo corporativo, mas este não foi criado por Marçal. Mas Marçal entende do que o entrevistador está sugerindo. Ele pegou o código. E entra nesta linha pensamento. Logo em seguida ele explica orgulhosamente (sem que Igor 3k pergunte) a malandragem de se apropriar de conceitos alheios e os vender como se fossem seus, lhes dando apenas um novo nome.
1:19: 13 – MARÇAL: Quando cê fala em “Inventar”, é uma técnica que se chama “autoralidade”. [Em] Muita coisa eu sou autoral. E todo mundo fica espantado com isso. E isso faz você valer mais. Então eu to abrindo o jogo aqui. A invenção… É difícil alguém falar que tá inventando alguma coisa. Ele tá transformando algo, ou ele tá dando uma adaptada, ou a ênfase dele naquilo, entendeu?
IGOR 3K: O ângulo dele, o jeito como ele enxerga…
1:19:30 – MARÇAL: É, a parada do governalismo, [que] é um neologismo meu. O ANTI-MEDOtambém, que é um dos meus 62… é o meu primeiro livro, né? Neologismo meu também, eu fico caçando um jeito de pegar isso. Tem frases tipo “vá cuidar da sua vida“… é… não fui eu quem inventei, mas parece que é minha. Vários sertanejos [falam]: ‘ow, posso usar essa frase na [minha] música?’ Acham que é minha, pow… vá cuidar da sua vida…
IGÃO: Tendi…
1:19:55 – MARÇAL: Por que? Porque tem livro em cima disso. Eu criei tráfego em cima disso. O “tamo Junto”… todo mundo fala “tamo junto“, né? O meu não é assim, o meu é “tamo junto até depois do fim“, você sabe o que significa?
IGOR 3K: Que vamos estar juntos até depois da morte.
MARÇAL: Até depois da morte. Ou seja, é autoral esse. Isso é uma parada de consciência de eternidade…
IGOR 3K: Sabe como eu enxergo? Olha como o Pablo Marçal tá transformando as paradas [em algo que é] sobre ele.
E Igor 3k está certíssimo. Lembra do Anti-Frágil, de Nassim Nicholas Taleb? Marçal vai lá e cria o ANTI-MEDO! Mais um conceito para a conta deste homem genial, esta MÁQUINA PUJANTE de criar conceitos! Até mesmo uma frase (completamente original e nunca antes dita) como “Vá cuidar da sua vida” passa a ser uma grande novidade com o público de baixo repertório cultural com quem Marçal conversa.
OU SEJA: Ele dá significado ao mundo ao seu redor em uma linguagem própria (gerando pertencimento) e mais simples do que as complexidades da vida (gerando simplificações). Ao criar seus termos e significações, ele ainda agrega valor a elas, uma vez que são jargões que referenciam o seu mundinho próprio. Isto enche seu interlocutor/cliente de autoestima. Ele se sente representante de um seleto grupo de conhecedores dos segredos da PROSPERIDADE.
Por isso ele faz piadinhas de quinta série ou joga referências fáceis de serem entendidas por seu público e depois pergunta “pegou o código?”. Da mesma forma que ele vulgariza e infantiliza a política, ele eleva e enverniza o senso comum transformando-os em jargões próprios: em entendimentos, que só são captados pelo seu grupo iluminado de seguidores. Novamente, nada de novo. Olavo de Carvalho e outros líderes de seita sempre fizeram isso. Voltamos ao pensamento de seita da extrema-direita… só que dessa vez com verniz de messianismo coach.
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Pablo Marçal é o desdobramento do Bolsonarismo, é a atualização da raiz messiânica do circuito evangélico-capitalista. Ele fura a bolha da extrema-direita bolsonarista se apropriando da positividade do discurso evangélico da prosperidade. É como um mini Bukele ou Milei, mais do que um mini Bolsonaro. É o Fascismo Tecno-Regressivo em seu mais recente desdobramento no território brasileiro.
O fetiche da mercadoria oferecido por Marçal é o da fantasia da PROSPERIDADE. E numa economia de desempenho que hiper-estimula os sujeitos, o fetiche precisa de estímulos cada vez mais fortes para se manter vivo. Ele só cresce. O eleitor radicalizado precisa de um candidato que se mostre com o discurso mais forte, mais agressivo, com o comportamento mais “anti-sistema” para sustentar esta fantasia. Na falta do mito, serve o coach.
O fetiche aqui é pelo macho empreendedor, o varão protetor, que sabe de tudo porque conta com seu ímpeto masculino. Mesmo que ele não saiba o que está fazendo. Ele está chapado de POSITIVIDADE e vai até construir um prédio de 1km se deixarem (isto realmente está em suas propostas de governo). Marçal causa fascínio no eleitorado masculino por se vender como o “homem ideal” para aqueles que carecem de referenciais simbólicos que deem conta de fazê-los alcançar seus sonhos messiânicos da prosperidade e do luxo. Quem poderia salva-los? O daddy do Brasil agropunk: Marçal. E ele aprendeu isto com Andrew Tate.
Assim como o flow serviu para deixar Pablo se abrir à vontade e se expor, a presença de Pablo nestas eleições serve para expor também os limites da justiça eleitoral em tempo de redes sociais. A partir da identificação destes limites, é URGENTE um movimento de pressão pela devida regulamentação das Big Techs no Brasil, que permitem que este tipo excrescência se instale e bagunce o rito eleitoral. E em 2026 será bem pior.
Esta infantilização do debate público representada por Pablo Marçal é uma das táticas de colonização da política pela economia da atenção. os recentes ataques de Elon Musk à soberania nacional fazem parte do mesmo conjunto. O que Musk, Marçal e a nova extrema-direita como um todo, têm em comum são suas táticas de “quinta-seriezação” do mundo para alcançar seus objetivos (ou RESULTADOS). A extrema-direita PRECISA deste cenário de bagunça, de caos, de palhaçada. Só assim eles conseguem PROSPERAR: transformando a política em brincadeira, em gincana, em piada… A questão agora é descobrir quando que essa velha piada do político palhaço vai perder a graça.
Mas é aquela história, né? Todo dia sai de casa uma MALANDRO e um MANÉ.
Pegou o código?
Luís Meira
Mestre pelo programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Linguagens, Mídia e Arte da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, com o trabalho “Infiltrado no Chan: Economia e Identidade do ódio”, sob orientação do Prof. Dr. Carlos Alberto Zanotti, onde foi bolsista do CNPq. É graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Pernambuco. Teve experiência como diretor de arte nas agências Shifty e 4com, em Recife. Possui conhecimento básico da língua alemã (Goethe Institut, A2), fluência na língua inglesa (Alpha Collegue of English-Dublin, B2+), atualmente estuda a língua japonesa (NCL-Recife, A2) e possui noções básicas da língua francesa (Aliança Francesa-Recife, A1.1).