Eleições 2024

Como Pablo Marçal infantiliza a política

O bolsonarismo entra oficialmente em sua nova fase. O arquétipo mítico e seu discurso estão mudando. Em vez da imagem do "pai de família nostálgico pela ditadura", surge agora a figura do "homem másculo que resolve tudo" que pretende resolver problemas com assertividade e promover a PROSPERIDADE. Esse novo modelo é uma evolução das táticas fascistas brasileiras, substituindo a nostalgia reacionária por uma abordagem de positividade tóxica e neoliberal, representada pela figura de Marçal. São Paulo é o laboratório destas novas táticas.

Como Pablo Marçal infantiliza a política
Publicado em 18/08/2024 às 15:51

Por Luís Antônio Alves Meira

Primeiramente é preciso deixar claro que a mera existência deste texto ou de qualquer conteúdo que se refira ao cidadão em questão é justamente o que o mesmo deseja. É a métrica do sucesso de suas táticas e de seu partido, o PRTB, (do Padre Kelmon e Roberto Jefferson) braço direito do bolsonarismo.

Dito isto, me deixo cair nessa armadilha, dessa vez.

É preciso deixar claro o movimento que está acontecendo no atual estágio da disputa política digital.

Uma nova forma de bolsonarismo está sendo gestada ao vivo. O fascismo brasileiro agora testa sua passagem para uma nova fase “pós-bolsonaro”. A persona mítica da vez passa do “pai de familia nostálgico pelos bons tempos da ditadura” para o “homem másculo muito macho” que resolve tudo (até as complexidades da maior cidade do sul global) com ÍMPETO para todo mundo poder PROSPERAR. Estamos vendo a positividade tóxica do neoliberalismo agro-punk, representado pela figura de Marçal, tomar o lugar da nostalgia reacionária pela (farsa de) disciplina, representada por Bolsonaro. Uma natural evolução das táticas comunicativas do fascismo tupiniquim, onde São Paulo é o laboratório de teste.

Com Bolsonaro inelegível, os espólios do bolsonarismo estão soltos pelo ar. Marçal, que não é besta, viu uma ótima chance de expandir sua carreira. Afinal, para onde mais um coach messiânico – cujos fiéis o seguem literalmente até morte – iria se não para a política? O próximo passo para sua nova empreitada comercial, seu novo curso exclusivo, seria, naturalmente, “como PROSPERAR na política”. Ele enxergou o vácuo de representação que a extrema-direita tem e se propõe a atualizar as táticas “carluxistas” e ser a nova referência comunicacional do fascismo-tecno-regressivo(MEIRA, 2024) brasileiro. É o fascismo digital, aquele que usa de técnicas retóricas e midiáticas (no Brasil em grande parte ensinadas por Olavo de Carvalho) para regredir seu público a um estado pré-racional, emotivo, reagente e violento mesmo.

Isso explica a multidão de homens e mulheres adultas xingando todos os seus adversários nos Chats de todas suas Lives ou mesmo dando corda para as “brincadeirinhas” e apelidos que ele coloca em seus concorrentes. Marçal se confunde com um animador de torcida, com o protagonista de uma fantasia de um menino contrariado que quer ganhar tudo na base da birra. E, lembrando, estamos falando da disputa pela prefeitura da maior cidade do país. E como a gente chegou até aqui? Não já passamos por isto? Não aprendemos nada? Eu acredito que aprendemos sim. 2024 não é 2018. (Mas nunca se sabe, né?)

O que estamos vendo agora são justamente as novas cartadas que as forças tecno-regressivas estão dando depois de 2022.

Marçal (e o PRTB) sabe(m) que há uma crise de representação no eleitor conservador. O Mito está fora do jogo. Quem vai representar o homem tradicional, os varões deste Brazilzão do agro, dos valores e da hierarquia patriarcal? Quem seria o próximo Bolsonaro? Quem sabe mais sobre como tirar vantagem de homem frustrado na internet? Ninguém. Apenas ele. Afinal, onde estão os machos que o bolsonarismo sente tanta falta? Onde está a potência masculina que Nicolas Ferreira procura tanto? Está aqui! Encarnada na figura do Coach.

Sua estratégia é vender positividade, PROSPERIDADE, potência, e tudo aquilo que for contra essa potência, é uma negatividade a ser eliminada: é alvo seu e de sua militância. Marçal tem que vender uma utopia, um fazer políticofantasioso e CHAPAR seu público de POTÊNCIA, para que tudo aquilo que os traga para a realidade (como se discutir questões materiais da maior cidade do país) seja visto como uma interrupção desta fantasia, cuja resposta será violenta. Por isso ele xinga todo mundo, acusa (sem provas) Boulos de usuário de drogas, chama Tábata Amaral de “menininha”, para que eles respondam, para ele poder REAGIR MAIS, de forma MAIS VIOLENTA, e gerar bons cortes para MITAR nas suas redes sociais. Nas redes sociais suas e de sua gangue de perfis estrategicamente preparados para replicar toda sua retórica absurda. O resultado é que o que é compartilhado, o que se sai do debate são, não as propostas para a prefeitura de São Paulo, mas os melhores cortes das MITADAS do Marçal.

Assim se infantiliza a política.

A lógica desta terminologia é que infância vem do latim infantia, do verbo fari: falar — dizer, possuir a fala — em seu particípio presente fans; falante, e da negação in. Ou seja, o infante é aquele que não fala, que não possui as coordenadas simbólicas para se comunicar com o outro, com a sociedade. Marçal infantiliza a política à medida que vulgariza o debate, que destrói as possibilidades de que se criem referenciais simbólicos para a comunicação com o outro, para a comunicação geral do gerenciamento da polis; da política. E essa infantilização é a nova arma da extrema-direita.

Sua tradição belicista agora se adapta aos meios de comunicação e apela para os instintos mais primitivos (fazendo referência a Roberto jefferson, do mesmo partido) para silenciar o debate objetivo (o debate pelo logos) em detrimento do debate moral (o debate pela primasia do pathos). E sim, política é também a disputa das emoções, dos afetos. Por isso os outros campos políticos devem estar cientes desta tática (e suas atualizações), que falhou em 2022 e tem tudo para falhar em 2024. E Marçal sabe disso. Uma eleição municipal é muito menos ideológica que uma eleição nacional. Os problemas mais visíveis pelo eleitor falarão mais alto. Por isto acredito que a candidatura de Marçal tem como objetivo ser uma espécie de “imersão” do mesmo no ambiente político para depois vender curso de como PROSPERAR na política (Bolsonarista, claro. Ele conhece seu público).

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O Coach se apresenta como a grande novidade na política, acessível, de fácil consumo, que fala a voz do povo e se comunica com quem não consegue participar da gramática política formal. Ele captura o desejo do eleitor bolsonarista criando identificação naquele homem tradicional (mais machista mesmo). Ele abraça a criança interior do machão médio e o faz com uma técnica (como coach que é) tão precisa que só seria capaz de existir neste contexto de hiper-segmentação digital dos anos 20. Sua persona é como um tipo de ultra-processado da política. O candidato populista não é nenhuma novidade na disputa eleitoral, a novidade aqui é o uso das redes sociais para se criar um arquétipo preciso e fácil de ser entendido para um público de baixo letramento político. A novidade maior ainda é a atualização desse arquétipo, do bolsonarismo militarista boomer para o bolsonarismo coach positivista voltado ao jovem adulto.

Marçal é só mais uma persona de um MBLismo cultural (???), que usa São Paulo para mostrar sua cara nova. Se antes os garotos nerds brilharam sendo representados pelo fascismo-tecno-regressivo do MBL e depois os conservadores nostálgicos por Bolsonaro, é a vez dos Agro Boys fãs de Gusttavo Lima serem o arquétipo base da nova mutação do fascismo tupiniquim.

Assim se vulgariza a política da mesma forma que um ultra-processado é a vulgarização da comida. O coach se vende como uma doce fantasia do macho viril que vê em Marçal uma espécie de figura de força patriarcal (típica do fascismo), como aquele em se pode entregar tudo pois tudo ele pode resolver na base da FORÇA e da PROSPERIDADE. A questão é que os ultra-processados, os alimentos de baixa qualidade, as vezes são mais baratos mesmo. E o barato pode custar caro.

Quem sou eu?

Diretor de Arte, Redator e Pesquisador na área da Comunicação e Marketing Político. Focado na pesquisa e criação de conteúdo dentro das novas formas de mobilização e criação de desejo das mídias digitais.

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